domingo, 25 de novembro de 2012

De Casa Para Casa









A noite vem, e as árvores se movem delicadamente. A última folha de outono cai e eu acredito estar nos últimos dias da minha vida. Não tenho mais nada em mãos. Meus pulmões estão gastos pela juventude e pelo tabagismo. Eu me chamo Violeta,e não há ninguém, digo,ninguém mais aqui,apenas eu e a minha casa escura .Penso ter visto algum espectro passar, mas acho que eu apenas pensei sobre isto. Às vezes eu olho para trás e me lembro de toda a minha vida,se é que eu tive uma vida. Na minha juventude eu sonhava em trabalhar como fotógrafa,eu me sentia nova em folha,como a seiva bruta que corre pelas entranhas das arvores. Eu não pensava em me casar, nem em ter filhos. Não pensava em viver uma vida comum e padecer como um botão de rosa não desabrochado, eu penso que talvez o tempo tenha me corroído um pouco, me corroído por dentro. Eu havia chegado a maior idade e eu sentia como se houvesse tomado um soco no estomago, e mesmo assim ele ainda se mantinha repleto de borboletas. O meu irmão mais velho havia sido enviado para o exercito, para servir a guerra. Eu acalentava a minha mãe que chorava na cozinha, enquanto ele desaparecia no horizonte. Pouco tempo depois,eu sai de casa e fui morar na capital,para cursar faculdade de fotografia e saborear novas experiências que eu nunca iria vivendo naquela cidadezinha qualquer,quase que perdida no mapa. Ao chegar naquele bravo e recém-nascido mundo,eu me sentia viva novamente,a ventania tocava os meus cabelos e eu me sentia recarregada para começar a tecer os fios da minha jornada. Eu havia aceitado o convite de Dione, uma velha amiga de infância,para morar junto com ela. Era um humilde apartamento, não mantinha em sua posse muitas mobílias,eu a ajudava a pagar o aluguel. Nós passávamos algum tempo juntas, fumávamos alguns cigarros,bebíamos vinho e ouvíamos alguns discos em sua vitrola,a musica inebriava as nossas mentes após um longo e duro dia de trabalho,era como uma suave anestesia.Com o passar do tempo a nossa amizade cresceu e por influência dela eu acabei aderindo ao movimento feminista, que estava em alta naquela década. Eu era jovem, selvagem e não temia as assombrações que pudessem aparecer caminho adentro. Nós corremos alguns riscos, mas nós sempre estávamos ali,de pé,rumo a luta. Naquele mesmo ano,conheci Ganimedes, o primeiro homem que eu amei. Ele era alto,cabelos claros e vivia como se não houvesse amanhã. Através dele pude viver a experiência de experimentar alguns entorpecentes, como novocaína e sementes de dátura, sentia como se meus pés ganhassem pequenas asas,como as sandálias de Hermes,me sentia fora da minha mente,meu espírito tornava-se leve como uma pena no ar,soprada pelo ar da vultuosidade. Nosso romance não durou muito tempo,porque ele foi assassinado enquanto caminhava na madrugada,a caminho da sua casa. Havia acabado de sair do apartamento que eu dividia com Dione, ele apenas se levantou da cama, vestiu suas roupas,se despediu de mim com um pequeno beijo nos lábios e foi embora,esta seria a ultima vez que eu o veria. Depois dele não apareceu mais ninguém. Após este acontecido eu entrei em profunda melancolia e resolvi abandonar a faculdade, não havia em mim ímpeto para seguir em frente. Ao deixar tudo pra trás, resolvi trabalhar como dançarina numa boate no centro da cidade,foi uma experiência conturbada,eu ganhava uns míseros trocados por fazer a minha simples dança,sob o pseudônimo de “Belladona Calandiva”,não queria que me chamassem pelo meu nome verdadeiro,eu não gostava daquela profissão. Naquela mesma época acabei sofrendo abuso sexual,foi uma experiência terrível. Dione não concordava com essa minha profissão e dizia “Você não está agindo como uma feminista”,Mas o que eu poderia fazer, eu era jovem,perdida,imatura. Logo larguei este oficio e resolvi me reconciliar com Dione, aderindo seriamente ao movimento feminista. Nós protestávamos severamente pelos direitos das mulheres, mas uma vez nos fomos detidas por um batalhão de choque,eu fui atingida no olho e Dione foi atingida na cabeça,morrendo imediatamente. Eu chorava desesperada, a segurando nos braços,minhas roupas estavam manchadas pelo seu sangue e pela tempestade que caia. Foi uma grande perda,ela era como uma irmã para mim. Após os meus anos naquele novo mundo,eu resolvi voltar para o meu pequeno local de origem. Foi divertido atirar nas estrelas,pairar sob o sol,mas havia sido uma longa estada,tudo que eu queria era voltar para casa. Ao chegar fui recebida pela minha mãe,que logo me deu a noticia que o meu irmão havia sido dado como desaparecido na guerra,nos duas choramos e nos abraçamos,nos tivemos que nos resignar e aprender a lidar com a perda. Vivi naquela vida pacata por alguns anos até que a minha mãe faleceu,foi a sabor mais amargo que senti na minha vida,não havia mais nada,mais ninguém. Então agora estou eu aqui escrevendo esta carta,como um televisor emitindo o seu chiado em um quarto empoeirado. O que quer que tenha acontecido,com a vida que conhecíamos,poderíamos viver uns sem os outros?

Hamilton Guilherme

sábado, 24 de novembro de 2012

Conversa Imaginária







Luzem escapam
Relógios param
Mas o circulo deve continuar
Cavaleiros falham
Anestesias matam
Mas a voz deve propagar

Quase despido
De minha armadura
E de irmãos de pão e circo
Eles podem quebrar uma alma
E transformá-la em penas
Penas sopradas
Para um litoral antigo

Aqui eu liberto a poeira
Soprada pelo vento
Conhecendo o limbo
Para chegar ao paraíso
Assim que as horas passam
E o relógio corre lento

Submerso nas estrelas de órion
De volta aos pássaros na janela
E ao abraço das casas do subúrbio
Para onde foi a minha velha face
E as canções em papel carbono
Para onde foi o retrogrado mercúrio

Poeira de cobre
E árvore calada
Onde cresce a grama dourada
E o sol nos queima
Onde crescem as flores de pedra
e o litoral adormece
na borda do paraíso
onde crescem os campos de amoreiras

Há uma única estação de trem
Para dentro dos espelhos
Ou para os jardins do subúrbio
Há um  barco no porto
E ele foi embora
Agora somente as estrelas
São o único refúgio,
Flui o oceano de Prússia
E a dança das cores
Flui o clico de hipnose
E a violência das flores

Hamilton Guilherme

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Olhos acostumados








Eu estive aqui antes
O meu amor é sóbrio
Eu estive aqui ontem
O meu sol é provisório

Temos dias para morrer
E para ver o alvorecer
Invadindo aos poucos
A minha célula prima
Temos poucos dias
Para viver

Eu estive aqui antes
Na bruma branca
Do horizonte
Eu estive aqui ontem
Emaranhado pelo vento
E pelo caminho
Posto defronte

Hamilton Guilherme

sábado, 17 de novembro de 2012

Lótus








Desde a lama negra
E dos pedaços de vidro
Desde os restos
Deixados pelos lobos,
Eu reconstruo
os pedaços quebrados
do meu mundo proibido
do meu presídio de loucos

Desde o lado negro da lua
E do mais profundo suspiro
Desde um sopro no ar
O pássaro em chamas
É então,renascido

Eis aqui o sol invisível
Em solo inquebrável
Eis aqui a estação mútua
Estaticamente instável

Hamilton Guilherme

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A Criança Cega









Levante e acorde
É manhã de inverno
No oceano escuro
Você quer ser um astronauta
Eu sigo a sua pequena voz fraca
De pardal nascituro

É véspera de solstício
E você não espera por nada
Imaginários leões famintos
E canções nostálgicas
Correndo adentro
Da noite deslumbrada

Enquanto os céus fugirem
Com seus barcos e piratas
Serás sempre a criança cega
Sob uma sombra pálida

Hamilton Guilherme

domingo, 11 de novembro de 2012

Quem irá te salvar agora?





Eu vivo desconfiado entre as cortinas
Tentando compreender
A causa das pessoas serem tão insignificantes
A causa de me darem tanto tédio e desprezo

Eu vivo escondido entre meus cortes
Tentando apagar aqueles instantes
O sangue que ficou na faca foi das mortes
E a angustia e o medo envolvem o meu cérebro
Eu não seria um psicopata, não mesmo.

Quem irá te salvar agora?
A escuridão veio atrás de ti
E o escorregador para o inferno se abriu
Quem irá te salvar agora?

Ouço portas se batendo
Um desfiladeiro sem fim
Vejo sombras passarem depressa
Como se quisessem algo, algo por onde passaram.

Você foi contaminado
Impuseram-lhe o valor do ódio
E pelo vale das sombras eu estive
Caminhei sozinho pelo abismo
E ao longo desses anos
Fiquei comigo mesmo
Nada mais senti
Nada mais ouvi
Não quis mais compartilhar
O amor que em mim, morreu.

Você foi contaminado
E eu continuo a duvidar
Você foi contaminado
Eu continuo a duvidar
Você foi contaminado
Eu continuo a duvidar
Continuo a duvidar de suas falsas falas
As sombras querem algo
Quem irá te salvar agora?

Alan Lacerda

Irracional



Ninguém jamais ousou a navegar
Sobre aquelas águas geladas
Um olhar a frente e vocês morreriam
Com a fúria de Hidra

Ninguém jamais quis enfrentar
A fúria do impiedoso Rei
O medo de ser esmagado
E torturado era maior

Ninguém se quer foi em busca do grande Dragão de sete cabeças
As fábulas que me contaram foram todas forjadas

E eu vivi preso em meus sonhos
Esperando o amanhecer
Esperando o rejeitado aparecer
E ele, o incrédulo morrerá guilhotinado.

Ninguém quis gritar o ódio entalado na garganta
Com a Igreja queimando as mais belas moças
O deus era bom, e enfrentar ele você teria grandes problemas.

Ninguém quis barrar o domínio do homem
Ao seu semelhante
O poder de ditar era mais alto


E eu vivi preso em meus sonhos
Esperando o amanhecer
Esperando o rejeitado aparecer
Hoje será um dia de festa e comemoração
 Ele, o incrédulo morrerá guilhotinado.
Até que a coragem chegou ao primata irracional
Nos olhos um pouco de solidão
As mágoas escorriam em teu  chorar
O vento era forte, sinal de chuva
Ele sabia falar
Ele sabia ditar
Ele sabia fragmentar as mais belas e verdadeiras palavras de amor
E eu estive preso em meus  sonhos.

Alan Lacerda

sábado, 10 de novembro de 2012

Eu nunca verei nenhum outro




Dançando com falcões
Por mais uma vez
Ao redor do fogo
faíscas que vão,que vem

O vento tem o meu chapéu em mãos
Antes que eu possa respirar
Antes que eu possa dizer sim ou não
Para o meu rastro solar então, despertar.

Com um olho torto
Consegues ver a ferida
Bradando calada
De um mar de vísceras

Vivendo a vida em vidros
Observo o mover das sombras
E dos demônios sem olhos
São como pulmões repletos de fôlego
Como ilhas rodeadas por abrolhos

Hamilton Guilherme

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Partidário Cinerário




Você costumava
Atirar nas estrelas
Da mais clara noite negra
Você costumava
Entender a sombra e o silencio
E as pílulas para dormir
Entender o adeus
À primeira dorna que veleja

Você costumava
Fugir para as montanhas
Para se sentir bem
Você costumava
Sentir o aroma das velas queimando
E ver as pessoas passando
Passando como um circo errante
Vindo do além

Eu me calei por dias inteiros
Por tentar me prender
A caverna do medo

Fizemos para nós
Cavalos de vidro
Para cavalgar
Em céus de cirros
Eu ouvi a sua voz
Do outro lado da colina
eu pensava ser feroz
eu era um ingênuo pupilo

Hamilton Guilherme

sábado, 3 de novembro de 2012

A Bruxa




É a pessoa por quem eu estava procurando
Aquela que eu perdi em vidas passadas
Olhando pra você agora
Um espírito de capa preta me sufoca lentamente
Não partirei para nenhum caminho sequer
Pareando te encontrei
Do teu lado
Deitado morrerei

Você é a bruxa linda imortal
A anciã que molda a sabedoria
De olhos fechados
Uma risada medonha eu ouvi por detrás das cortinas
E o brilho de tuas palavras
Trouxe novamente a luz
Da minha sombra dilacerada

Trancada no Castelo Negro
Seus olhos escorriam sangue
Eu lhe resgatei dos braços do impiedoso Rei
E te perguntei
O que você vê em mim?
E toda a escuridão  do Castelo foi embora
Ela sabia que eu estava a procura de algo
Ela sabia que eu estava a procura de uma resposta
Foi então que o brilho de tuas palavras
Trouxe novamente a luz de minha sombra dilacerada

Rituais, velas, contos e  fantasias
Palavras mágicas são jogadas ao vento
Ancestrais, almas, poções e bruxarias
Todos estão  convidados ao nosso circulo mágico
Norte, Sul, Leste e Oeste
Todos os guardiões estão conosco
Para nos guiar
Para nos receber em seu mundo celestial

Você é a bruxa linda imortal
A anciã que molda a sabedoria
De olhos fechados
Uma risada medonha eu ouvi por detrás das cortinas
E o brilho de tuas palavras
Trouxe novamente a luz
Da minha sombra dilacerada

Alan Lacerda