I
Era uma noite de outono,
as brumas gélidas contornavam toda a escuridão,a ventania propagava o seu
tenebroso assobio. Numa cidade qualquer,em algum albergue velho e mal-iluminado,alguém
acabara de soprar o último trago do seu cigarro. Chamava-se Lisandro,Lisandro
Boungavilia. Usava velhas botas e um casaco negro e o mantinha sempre com o
colarinho erguido, e os olhos levemente cobertos pelo seus cabelos escuros.
Manchas de sangue marcavam suas mãos e havia um crepúsculo em sua face. Havia
um outro que o acompanhava, este ostentava uma expressão dissimulada em seu
rosto,chamava-se Demétrio,Demetrio Boungavilia. Usava uma camisa com mangas
rasgadas,um quepe e um antigo coturno que haviam sido usados por algum parente
na guerra, seu olhar tempestuoso parecia não ocultar nenhum canto da sua alma.
Ambos tinham a barba meio por fazer e costumavam fumar bastante. Não sabiam
quais seriam os seus próximos passos,talvez houvessem somente caminhos
estreitos a seguir,talvez eles precisassem de mais mãos,estavam propensos a
atear os seus espíritos a lareira. Eles carregavam armas de fogo,adagas e
objetos pontiagudos, possuíam algumas dividas a serem quitadas. Era como um
amargo remédio a ser ingerido,seria melhor que o fogo transmutasse toda a existência em carbono do
que esvanescer aos poucos. Eram criminosos errantes, havia sangue por todo o
assoalho, acabaram de fazer novas vitimas naquela noite,não existia mais nada
mais além de um secreto desejo de vingança. Era como se faíscas ardessem no
interior dos seus olhos e as estrelas sussurrassem em seus pensamentos. Aqui
onde eles cravariam as suas adagas e as retirariam, ensangüentadas. Não faziam
idéia dos danos que as suas botas poderiam causar.
Havia pouco tempo para
sair daquele local,ambos pegaram todo o dinheiro que puderam das vitimas e ao
sair de lá,limpando as suas mãos ensangüentadas,Demétrio olhou para Lisandro e disse:
- Nós precisamos fugir
desta cidade rapidamente ou seremos descobertos. Então Lisandro virou para ele
e disse:
- Este é apenas o inicio
da nossa longa jornada, somos apenas patifes,não temos mais nada a esperar,nada
a perder.
Ao amanhecer, eles foram para a ferrovia, e
subiram a bordo clandestinamente num trem em movimento,no último dos vagões
onde ficavam as bagagens. Assim foram seguindo, em busca de qualquer cidade
mais próxima, onde realizariam o seu próximo ato,eles não queriam parar por
nada,absolutamente nada. Aquela era uma manhã muito fria,o céu estava nublado e
eles tinham apenas alguns fósforos para se aquecer,Lisandro sentia-se um pouco culpado
pela associação,talvez a presença do seu irmão o incomodasse um pouco,mas
tentava esconder este sentimento dele de qualquer jeito,pois pensava que assim
poderia decepcioná-lo.Demetrio tinha uma personalidade forte,era como se o
sabor da morte escorresse por entre os seus dedos,como um alivio para o seu
desejo aniquilador. Talvez eles se chamassem assim porque a sua mãe gostava de
ler “Sonhos de uma noite de verão”, ou apenas optou chamá-los assim porque
pensava que esses nomes lhes cairiam bem. Mas ela não estava mais aqui, não
havia mais ninguém aqui.
II
Haviam chegado numa cidade
grande, O crepúsculo trazia com ele a noite e a lua cheia. Era um lugar de grandes
casarões e becos habitados pelas pessoas mais sórdidas que já existiram. Eles
foram seguindo ruas abaixo em busca de algum lugar desavisado onde poderiam
fazer novas vítimas. Avistaram um pequeno hotel, de qualidade precária, chamava-se
“Hotel Alraune”. Entraram e foram logo surpreendidos pelo recepcionista, que
era um homem velho, fétido e rude. E ao julgá-los pela aparência, olhou para
eles e disse:
- Não recebemos patifes do seu tipo neste local.
Então, com um tom de
fúria, Demétrio apontou a sua pistola para o rosto daquele senhor e disse:
- Dê tudo que você tem a
este patife, seu patife, eu não preciso dessa sua alma fétida e imunda.
E após essas palavras, ele
puxou o gatilho e o velhote caiu morto no assoalho. E ao pegar pelo colarinho
aquele homem que acabara de ter sido morto,Demetrio disse:
-Espero que Lúcifer tenha piedade de sua alma,
porque eu não tive.
Em seguida,ele deu um
forte pontapé no ventre do cadáver e seguiu hotel adentro,estava enfurecido.
Enquanto isso, Lisandro
adentrava o hotel para roubar os poucos hospedes que ali estavam. Ao entrar no
primeiro quarto, ele chutou a porta subitamente. Haviam muitas pessoas
lá,homens e mulheres,todos na mesma cama. E ao vê-los, Lisandro apontou o seu
rifle para eles e disse:
- Este foi o último dia de
suas vidas, seus pequenos vermes, eu espero que tenham aproveitado as suas
vidas medíocres,nos vemos no outro lado.
E então ele disparou o seu
rifle friamente diante daquelas pessoas,os atingiu em varias partes do corpo e
pegou todo o dinheiro e cigarros que estavam encima do criado mudo.
Os Bouganvilia entraram bruscamente nos quartos
seguintes e surpreenderam todos que ali estavam. Eles não hesitavam, atingiam a
todos que caiam mortos em seguida. Encheram os bolsos com todo o dinheiro e jóias que os
hóspedes possuíam. Vidros estilhaçaram, Corações foram empalados e a sirene do alarme
tocava, não sobrou ninguém vivo. As paredes eram as únicas testemunhas daquele
ato criminoso. Saíram pela porta dos fundos, correndo,não deixaram pistas,não
olharam para trás. Suas almas agora cheiravam como pólvora e sangue,eram como uma
galeria de olhos.
Em seguida eles roubaram
um carro que estava estacionado atrás do hotel e foram embora rapidamente. Nasceram
novos espinhos nos Boungavilia naquela noite,mas o caminho devia continuar .Lisandro
acendeu um cigarro, e enquanto dirigia o carro ele falou em tom irônico:
- Dessa vez nós iremos
direto para o inferno,vendemos nossas almas por uns míseros trocados,que grande
barganha.
Demétrio toma o cigarro de
Lisandro e diz:
- Eles mereceram cada tiro,eram somente
pessoas estúpidas com vidas estúpidas,nada demais.
Pela pista livre, eles
foram seguindo em busca de alguma taverna, para ficarem embriagados o resto da
noite,não queriam continuar no mesmo lugar por muito tempo.
Entraram numa taverna
chamada “Cestrum nocturnum”, eles sentaram-se diante do balcão e
pediram uma garrafa de rum, logo se puseram a embriagar e inebriar pela mistura
de álcool e nicotina, estavam parcialmente entorpecidos. Haviam alguns bêbados
ao redor e na vitrola estava tocando uma velha música do oeste,as luzes estavam
amenas e indiretas,o ambiente estava pacato como uma brisa noturna. Naquele
mesmo lugar eles conheceram um homem que era apenas conhecido como homem de mil
faces,ele usava um sobretudo e tinha o olhar pesado,como se existisse uma sombra
profunda em seus olhos que tivesse se liquefeito. Vendia e trocava armas de
fogo e alguns tipos de entorpecentes,o
que chamou a atenção dos Bouganvilia,que queriam novas pistolas,com calibres
maiores. Ele possuía a capacidade de clarividência, e após ter feito a venda e troca
de armas e ter lhes vendido alguns frascos de morfina,ele olhou para os
Bouganvilia e disse:
- Eu sei quem vocês são e
o que vocês fazem, só um conselho,
tenham cuidado com os seus passos, ou eles os levarão para caminhos terríveis e
serão punidos por suas próprias vidas.
Demetrio olha para ele com
um certo desprezo e lhe pergunta:
- Afinal, de onde você veio?
Então o homem de mil faces
vira o rosto, e com um olhar distante responde:
- Eu venho, de lugar nenhum,
não importa quem eu sou nem pra onde vou, eu não permaneço na mesma face por
muito tempo.
Vendo que Demetrio iria
começar uma pequena discussão com o moço, Lisandro o puxa pelo ombro e diz:
- Vamos embora, já
conseguimos o que queríamos, vamos a busca de outros lugares,não há mais nada
para fazer aqui.
Enquanto isso o homem de mil faces os observa partir,
com um sorriso irônico no rosto. Ao sair da taverna, eles saíram dirigindo
vagarosamente, rua adiante,em busca de algum desavisado. Avistaram um
dândi,alto,magro,usava trajes elegantes e uma cartola negra. Eles encostam o
carro e Demetrio puxou a adaga que estava lateral interna de sua bota e diz: -
É uma vitima perfeita. Lisandro olhou para ele e disse:
- Você pode ir,eu estarei
aqui observando tudo de longe.
E então acendeu o cigarro
e ligou o rádio,queria ouvir um pouco de musica. Em seguida Demetrio saiu do
interior do carro e foi sorrateiramente em direção a sua presa .
Ocultando a adaga em suas
costas com apenas uma mão,ele chegou por detrás do dândi e o atinge com vários
golpes nas costas. Ele o assassinou a sangue frio,suas mãos estavam
ensangüentadas enquanto ele rapidamente pegava o relógio de bolso e alguns
anéis de ouro que a vitima usava.
– Ele não tinha nenhum
dinheiro. Disse Demetrio frustrado.
–Vamos colocar o corpo no porta-malas,
não podemos deixá-lo aqui. Retrucou Lisandro.
Á vista disso,eles
carregaram o corpo pelas extremidades até o carro, abriram o porta-malas e
colocaram o corpo dentro,Lisandro tomou a cartola para si.
-É uma bela cartola, Ele disse ao observar e
tocar a cúpula do chapéu, e o colocando sobre
a sua cabeça em seguida.
Assim sendo, ambos
entraram no automóvel e foram para o cais, o lugar estava ermo e não havia nada
além dos barcos ancorados e a leve ventania marinha à noite. Eles abriram o
porta-malas e carregaram o corpo até a borda do cais e o lançaram ao mar.
– Os peixes terão uma
grande refeição esta noite,disse Demetrio com um sorriso escárnio.
– Certamente,mas eu penso que eles ainda não
receberam nada em troca.
Respondeu Lisandro, virando
o seu olhar para o oceano e atirando a cartola mar adentro. Abandonaram o carro
e seguiram a pé, num albergue que ficava nas proximidades. Estava lotado e
havia somente um quarto disponível, mas não se importaram com isso, apenas queriam
algum descanso,estavam exaustos.
Lisandro tirou o seu
casaco e o pendurou no cabideiro,expondo as suas cicatrizes nas costas,ventre e
em partes dos braços. E ao olhar pela janela,para a chuva que caia lá fora ele
disse:
- Carrego muitas
cicatrizes,de uma vida inteira,algumas já desapareceram,mas outras ainda me
machucam,temo estar me transformando em algo que eu não seja,algo que eu não
conheça.
Então Demetrio o afagou
pelo ombro e disse:
-Você pode disparar
arma,mas a guerra nunca está vencida,elas somente o tornou mais fortes, eu
mesmo ainda carrego algumas cicatrizes. Desde o dia em que nos assassinamos o
nosso padrasto, pelo que ele fez com a nossa mãe ele mereceu,cada golpe.
-E após isso nos fugimos,e
estamos aqui,não entendo como sobrevivemos durante todo esse tempo,eu não gosto
de lembrar daquele dia, Demetrio. Ela não merecia morrer daquela forma,nas mãos
daquele canalha. retrucou Lisandro
- Eu cortei o pomo de adão
dele, como se corta uma fruta num dia quente de verão,nós o matamos da mesma
forma que ele a matou, nada mais justo, não? Insistiu Demetrio
- Não é nada fácil quando
o todo seu mundo é pintado de preto. Não vamos mais falar sobre isso,esqueça.
Respondeu Lisandro,virando o rosto.
Após isto eles fumaram
alguns cigarros e injetaram morfina em suas vias sanguíneas, era a única
anestesia capaz de manipular qualquer dor existente.
- Agora vai ficar tudo bem
– sussurrou Demétrio com uma voz sonolenta.
- Não é o que os meus
pesadelos dizem – respondeu Lisandro num tom melindroso
Eles não sentiam mais os
seus pés,não sentiam mais suas almas,estavam plenamente entorpecidos. Deixaram
muitas cascas no cinzeiro e no assoalho daquele quarto.
III
O dia nasce,o sol desponta
os seus primeiros raios desde o alvorecer. Há muitos policiais e detetives ao
redor do hotel Alraune, havia acontecido uma grande chacina na noite passada.
- Todos que estavam lá dentro foram
assassinados friamente,inclusive o recepcionista. Ainda não encontramos pistas
concretas de quem possa ter feito tal façanha. Disse o detetive que estava
investigando o caso.
- Acabamos de interrogar
uma senhora, ela disse ter visto os tais criminosos fugindo pela porta dos
fundos,ela disse não lembrar claramente da fisionomia deles. – Disse um oficial
de policia para o detetive,isso poderia ajudar a desvendar o caso.
Sete da manhã,o sino da
igreja emite suas fortes badaladas ao longe,e os Bouganvilia logo se levantam,deixam
o albergue e vão para a rua. Eles foram em busca de pessoas que tivessem
interesse de comprar as jóias que eles haviam roubado. Pelos cinzentos e
esfumaçados becos da cidade, eles conseguiram um bom lucro vendendo parte das
jóias para uma cafetina. Ela os contou que administrava um pequeno bordel que
ficava ao longo do beco. Comandava com mão de ferro, ficando com metade a
quantia que os seus serviçais ganhavam por trabalho. Alguns deles eram mulheres,
outros eram homens. A clientela eram homens que se auto-intitulavam
politicamente corretos,que ao cair da noite,visitavam o bordel se entregavam
aos prazeres lascivos e ao amanhecer retornavam aos seus disfarces hipócritas.
Ela convidou os Bouganvilia para visitar o seu estabelecimento em um dia
qualquer,em seguida foi embora. Eles já haviam feito um bom negocio com a venda
de jóias então puderam sair dos becos e seguir em frente.
Ao longo do caminho eles
encontram novamente o homem de mil faces,que ao vê-los passar ele põe as mãos
dentro do sobretudo e exclama em tom irônico:
- Que belo dia hein?
- Acho que nós já nos
conhecemos na noite passada,onde estão todas as suas quinquilharias?. perguntou
Demetrio com frieza
- Não importa,a terra está
sempre a dar muitas voltas e voltas,vocês sabem como é. Retrucou o homem de mil
faces com um certo desdém.
- Sobre o Alraune ontem a
noite. Estão todos falando, pessoas chorando e gritando, é melhor que vocês se
protejam com fogo. Disse o homem de mil faces em tom sarcástico.
- O que você sabe a
respeito? quem está por trás de tudo isto? .Perguntou Lisandro, o segurando
bruscamente pelo colarinho.
- Talvez a resposta para a
pergunta, se esconda dentro da própria pergunta, a vocês mais um conselho,fujam
desta cidade o mais rápido que puderem e protejam as suas identidades.
Respondeu o homem de mil faces com um olhar sereno no rosto.
Então,os Bouganvilia
imediatamente fugiram daquele lugar,temendo que alguém os reconhecesse.
Eles foram seguindo,de
cidade em cidade,cometendo vários crimes,deixando varias pegadas de suas botas
por onde passavam. Ninguém era capaz de capturá-los, haviam cartazes de
recompensa para aquele que pudesse capturá-los. Ninguém os conhecia pelo nome,os
cartazes os intitulava de “irmãos sangrentos”.devido a forma cruel que
assassinavam as suas vitimas,eles eram agora alguma espécie de inimigos
públicos. Os cartazes chamaram a atenção de uma caçadora de recompensas.
Chamava-se Magnólia. Era jovem e impetuosa, tinha cabelos claros e usava uma jaqueta
de couro. Carregava consigo pistolas,algemas e possuía um carro,e costumava
correr quilômetros e quilômetros carregando os foras da lei que capturava. Ela
era veloz e sorrateira,não descansava até que capturasse cada criminoso. Passava
dias e dias,com o seu carro vermelho,como uma incansável caçadora,tendo que
suportar duras condições. Fumava muitos cigarros por dia.
Certa vez ela viu alguns cartazes
de recompensa espalhados ao longo dos muros de uma cidade. E ao observar o
cartaz de recompensa dos Boungavilia,ela o arrancou bruscamente da parede.
- Capturar estes
criminosos seria uma grande façanha, irei atrás deles,não importa onde
estiverem. Pensou ela.
Magnólia estava disposta a
procurar pistas,estava disposta a caçá-los,não importa o que acontecesse. Ao
longo da sua busca,ela acabou conhecendo aquele que adentia pelo nome de “homem
de mil faces” talvez ele pudesse carregar alguma informação. Ela mostrou-lhe o
cartaz,e perguntou:
- O que você sabe a
respeito destes criminosos?
Então ele lhe respondeu:
- Eu poderia ajudá-la a
capturá-los,com tanto que eu ganhe parte da recompensa
Magnólia com um tom de
desdém,retrucou:
- Nada feito,eu trabalho
só
- Bem a escolha é sua, é
isto ou nada. Disse o homem de mil faces com um sorriso sarcástico no rosto
- Parece que eu vou ter
que aceitar o seu acordo imundo, mas não ouse trapacear. Retrucou
Magnólia apertando-lhe a
mão.
Um dia vinha após o
outro,e os Bouganvilia estavam sendo procurados pelas autoridades e por pessoas
que procuravam vingança,estavam sempre usando pseudônimos e identidades falsas
por onde passavam. Eram como presas correndo dos caçadores,suas almas estavam
cada vez mais corroídas,talvez pelos entorpecentes que utilizavam ou até mesmo
por cansaço. Por fim,encontraram abrigo numa velha casa abandonada,ninguém os
encontraria ali. Havia a companhia de alguns roedores e insetos que habitavam
aquele local, não possuíam muitas coisas,apenas uma pequena televisão,e alguns
móveis velhos e deteriorados.
O assoalho estava coberto
de sobras de cigarros, garrafas vazias,frascos de comprimidos vazios,cartas de
baralho e uma candela parcialmente acesa. Eles não se incomodavam muito com a
sujeira,eram como se fossem uns dos ratos também. E após o ultimo tragar de
nicotina,Lisandro disse:
- Não creio como pudemos
sobreviver a tanto,e agora veja onde viemos parar? Somos como dois roedores se
escondendo num esgoto fétido sob a cidade.
- Não faz mal,é a melhor
coisa que já tivemos,talvez a pior,ora,não reclame por isto Retrucou
Demetrio,com um certo tom de resignação.
- Nunca teremos
rumos,estou certo que nos estamos nos nossos últimos dias. Disse Lisandro
olhando para o vácuo.
- Talvez a única solução
seja o juízo final. Respondeu Demetrio, dando um curto sorriso sarcástico.
Lisandro meneou a
cabeça,com uma certa expressão de amargura e seu rosto e virou as costas para
Demetrio.
De repente ouviram-se
passos apressados e alguém havia rompido a porta bruscamente, era Magnólia,que
finalmente havia acabado de encontrar aqueles que ela procurava.
- Finalmente,eu os
capturei,este será o seu fim. Disse Magnólia com um olhar perverso,apontando o
rifle para os Bouganvilia.
-Não,você não vencerá tão
fácil assim. Disse Lisandro meneando a cabeça
Em seguida, o Homem de mil
faces entrou pela porta rompida e ao sacar o revolver,ele disse com um tom
irônico:
- Ora,ora,estamos todos
aqui.
- Pra trás,pra trás. Sou
eu que caço recompensas. Disse Magnólia tentando impedi-lo
- Parece que este é o
limite para vocês Bouganvilias. Disse o homem de mil faces disparando um tiro
contra Lisandro. Então Demétrio se lança na frente de Lisandro,sendo atingido
no peito.
- Então é assim que é a
morte? o assassino sempre cai no tumulo que ele estava preparando para
outro,não é mesmo? Disse Demetrio com o corpo ensangüentado,sendo abraçado por
Lisandro.
- Eu não queria que fosse
assim,que você terminasse primeiro. Retorquiu Lisandro,com algumas lagrimas em
seus olhos. Então bufando enfurecidamente, ele disparou vários tiros em direção
ao homem de mil faces,mas ele parecia resistir as balas. Então ele foi andando
lentamente em direção a Lisandro,quando foi atingido por um tiro disparado por
Magnólia,caindo morto imediatamente.
- Um traidor merece morrer como um traidor.
Proferiu ela, chutando o corpo dele,caído ao chão.
- Leve-me,você conseguiu o
que você queria,eu não me importo. Disse Lisandro para Magnólia,com um tom de
renuncia. Então ela o algemou e o levou até o seu carro. Pouco antes de ligar o
veiculo,ela olhou para Lisandro pelo retrovisor e lhe disse com clemência:
- Eu lamento pela perda do
seu...do seu aliado.
Lisandro apenas fechou os
olhos e apoiou a cabeça na janela,não disse uma palavra sequer. Eles
percorreram quilômetros e quilômetros,até que enfim Magnólia pode entregar
Lisandro as autoridades,ela lhes explicou que o outro havia sido morto por
alguém que não estava em seus planos. Por entregar apenas um dos procurados,ela
recebeu apenas metade da quantia que havia sido prometida,mas ela estava
conformada,estava deixando tudo aquilo pra trás.
IV
Após passar por julgamento
e ter confessado uma série de crimes,Lisandro foi condenado a trinta anos de
prisão. Ele foi enviado a um presídio localizado interior do país,era como um
sanatório,no meio do nada,longe de qualquer tipo de civilização,cercado por
muros altos e prepotentes. Seria muito dificultoso escapar daquele lugar.
Lisandro nunca havia estado em um lugar como aquele antes,no inicio sofreu um
pouco com o incomodo de outros presidiários,mas ele conseguia se defender.Com o
passar do tempo a sua alma se tornava mais seca,mais amarga,como as baratas que
andavam pelo chão dos corredores durante a noite. Talvez pela ausência de
nicotina ou apenas pela amargura daqueles dias. Ele era constantemente
perturbado por fantasmas, e ouvia vozes em sua cabeça. Vozes velhas, vozes
ingênuas,vozes de rancor,não o deixavam em paz um minuto sequer. Ele sentia uma
parcela de culpa pela morte de Demetrio, não falava muitas palavras,passava a
maior parte do tempo em silencio,com um olhar distante.
- Talvez seja o meu
destino padecer nesse local. pensava ele,dividia a cela com outro presidiário,chamava-se
Johan. Era um sujeito maçante e estava sempre lhe fazendo perguntas de todo o
tipo,mas Lisandro nunca lhe dava atenção.
- Ei,você é bem esquisito
pra um sujeito não acha. dizia Johan,ele era de todo certo,bastante
ingênuo,estava preso por ser acusado por um crime cometido por outros,mas ele
não se importava,almejava com o dia da sua liberdade.
Lisandro encontrava-se em
plena desordem mental,era como se o purgatório tivesse chegado mais cedo. A
única coisa que o tranqüilizava era a o luar,que atravessava as grades da
janela mais alta. Ele sentava-se em sua cama fria,enquanto a luz da lua tocavam
os seus olhos,era como um sedativo.
- Não há mais razão para
viver ,seria melhor estar morto. Pensou ele,diante de tanto caos em seu mundo
interior,planejava a sua morte.
Certa vez,ele entrou na
cozinha da prisão sorrateiramente e pegou uma faca,então pediu para Johan
golpeá-lo varias vezes enquanto estivesse dormindo,mas este não tinha coragem
suficiente para tal crueldade. Lisandro teria que morrer sozinho.
Mais uma vez,ele entrou
delicadamente na cozinha e pegou uma pequena corda que havia encontrado nos
armários,tinha cerca de um metro e meio. Ele a escondeu sob o seu
travesseiro,não queria que Johan desconfiasse que ele tentaria saborear a morte
mais uma vez. Em meio a madrugada,Lisandro preparou um laço com a corda e a
amarrou nas grades da janela superior,e enfim,ele morreu por enforcamento. Não
haveria mais dor,não haveria mais fantasmas o perturbando,não teria que
carregar o peso do mundo sob os seus ombros,ele sutilmente ele se foi. Ao
acordar, Johan ficou horrorizado ao ver o cadáver pendurado perante ele. Ninguém
imaginava que Lisandro pudesse terminar desta forma,morrendo por suas próprias
mãos. A vida é um mistério,todos devem permanecer sozinhos,eu ouço alguém
chamar o meu nome,e ai então,eu me sinto em casa. Afinal,o que o ser humano
ingenuamente chama de morte?
Hamilton Guilherme