Queria ter ficado aqui;
Queria ter falado mais
E ter sentido o aroma
Do outono que se vai
Queria ter estado aqui;
Queria ter fingido mais
E me calado mais;
Ter ido ao litoral
Ver os pombos no cais
Queria até estar aqui
Com os tolos e tronos
Que éramos, que somos:
Admirando retratos;
Alguém, nunca fomos.
Então adeus, amigos;
Bom ter estado aqui
Por horas e horas
E cata-ventos;
O vento nos leva
O tempo demora
Hamilton Guilherme
A chuva cai;
Leva pegadas
E a fumaça
Do teu cigarro;
Numa noite
Sem estrelas
A chuva cai;
Lava pegadas;
Eu fico aqui
Meio acordado
Bem aqui
Talvez aqui
Eu esqueça
De mim
Lá fora, no frio;
Os cães ladram;
Ninguém na rua
Padece a noite
Enfim
Hamilton Guilherme
Leve-me daqui;
Para ilha longa
Está escuro e frio
Nesta cidade
E os jogos sem fim
Que eu nunca joguei
Gastaram-me
Por vaidade
Tenho em mim
Um jardim secreto
De luas,monstros;
Risadas
Tenho em mim
A cadente perdida
E a chuva fina
Da noite passada
Leve-me depressa
Para ilha longa
Lá eu sou
O sol das cinco
Minha mente é leve
E o ar é puro
Os céus devoram
Meu olhar sucinto
Hamilton Guilherme
Treze segundos
Para o meio dia
Eu não lembro
Do dia anterior
Ouvi no radio
Uma canção antiga
Sobre jovens
Cigarros e amor
Os velhos jogos
De gato e rato
Os jovens anos
De deus e diabo
As noites tardias
De céu claro
Na sala de estar
Todos a perdurar
Empoeirados
Andei trezentas milhas
Tenho pés cansados
E tenho areia
Em meus sapatos
Dentro de mim
Um teatro assombrado
Na sala de estar
Memórias,borralho
E todos os livros
E mundos afora
O galo que canta
Pela madrugada
Minhas canções
Inacabadas
Os filhos que crescem
os crânios na estrada
Do todo de mim
Nada a declarar
Todos ficaram
Na sala de estar
Hamilton Guilherme